Aqui, no Jogando às Cegas, nós já falamos sobre diversos tipos de audio games, mas, ainda não explicamos de fato o que é essa categoria de jogos. Neste artigo você saberá o que eles são, suas características e ainda entenderá um pouco sobre o seu processo de desenvolvimento e distribuição, em uma entrevista exclusiva com dois desenvolvedores de jogos.

Em resumo, os audio games são jogos que se utilizam de recursos sonoros para determinam as ações e a direção que o jogador precisa tomar, podendo haver gráficos ou não. Devido a sua característica de usar sons como principal forma de orientar o usuário, este tipo de game acaba se tornando acessível para pessoas que possuem algum tipo de deficiência visual e que, devido as suas limitações, eventualmente não conseguem ter uma boa experiência de jogabilidade em títulos tradicionais.

Dentro desta categoria de jogos é possível encontrar diversos tipos de audio games, cada um com características distintas e que utilizam os recursos sonoros de formas diferentes.

Existem títulos que utilizam sons em 3D para orientar a posição do jogador no mapa, indicando de onde pode vir o inimigo, onde está algum tipo de recurso necessário ou então mostrar a direção para onde o jogador precisa levar o seu personagem, alguns dos exemplos deste tipo são o BlindSide, Nebula, Defender e o Operation BlackSquare.

Este tipo de ilusão de sons em três dimensões se chama Holofonia e você pode entender melhor como ela funciona com o vídeo abaixo, nele é simulada uma situação em uma barbearia e fica fácil entender e até se assustar com a realidade que ele transmite. Coloque seu fone de ouvido e confira:

 

Outros jogos preferem usar sons simples, apenas para indicar as ações do usuário ou o que ele precisa fazer, que é o caso do Mine Buster. Existem aqueles nos quais um narrador diz ao jogador a próxima ação que ele deve executar, como no Top Speed e O Segredo do Mosteiro, sendo que este  último se utiliza de uma fórmula no estilo RPG clássico de narração onde as decisões do jogador determinam o rumo do game.

Além destes ainda podemos encontrar audio games com recursos gráficos, como é o caso do Defender e do Nebula em parte do jogo, apesar de tais recursos, as imagens não são determinantes para andamento da história.

Apesar dos audio games parecerem uma novidade para algumas pessoas, não é de hoje que a acessibilidade do mundo dos jogos eletrônicos está disponível para as pessoas cegas ou com baixa visão, há anos que tais games estão disponíveis no mercado e um dos recursos que mais ajudaram na introdução deste tipo de game foi o surgimento dos leitores de tela, graças a eles foi possível introduzir jogos textuais simples como RPGs, forca, jogo da memória dentre outros que podem ser lidos por estes softwares. Dentre os pioneiros no desenvolvimento de jogos acessíveis no Brasil estão os desenvolvedores do DosVox, do Rio de Janeiro, que criaram e introduziram jogos textuais no software e ainda criaram jogos online.

Infelizmente, devido a diversos fatores, os audio games acabam não sendo tão explorados pelas grandes empresas desenvolvedoras de jogos, a pouca variedade de títulos existentes nasceu graças as iniciativas de empresas independentes (também conhecidas como indies) e estudantes.

Para entendermos melhor este universo de desenvolvimento de jogos acessíveis, nós conversamos com os desenvolvedores Michael T. Astolfi e Aaron Rasmussen, responsáveis pelo game BlindSide. Nesta entrevista exclusiva para o Jogando ás Cegas eles contam como foi o processo de desenvolvimento do jogo, as principais dificuldades e como foi feita a distribuição do game.

Jogando às Cegas – Quais foram os maiores desafios durante o processo de desenvolvimento do BlindSide?

Michael T. Astolfi – Desenvolver um jogo sem gráficos foi um desafio de várias maneiras, mas, também acabou sendo uma grande vantagem, porque nós não precisaríamos nos preocupar com a arte ou com suas adaptações para os diferentes tipos de tamanhos e resoluções de telas. Eu acho que a maior dificuldade foi encontrar um bom esquema de controle. Inicialmente nós visamos criar um game para desktops (PC e Mac) e os controles seriam feitos através do  teclado. No final nós acabamos expandindo este sistema de controle inspirados no game mobile Star Wars:  Falcon Gunner, que usa o giroscópio como controle, permitindo aos jogadores trocarem a direção mudando a posição do aparelho no mundo real para que funcionasse em aparelhos com sistema  iOS, tornando o processo mais natural e eu acho que criamos a melhor experiência de jogabilidade.

Aaron Rasmussen – O outro grande desafio foi criar um mundo crivel usando apenas sons. Nós gravamos cerca de 4.000 sons, sendo que 1.200 foram usados efetivamente para o jogo. Não podíamos nos valer de gráficos para criar um ambiente imersivo, então nós tivemos que gravar todos os tipos de barulhos, desde o de luzes fluorescentes acendendo até os sons de vários objetos.

Michael – Aaron também fez um trabalho incrível criando efeitos de áudio 3D usando só os fones de ouvido 2D comuns. Isto só usando o conhecimento de como nossos cérebros percebem o som e as particularidades físicas da cabeça humana

JaC – Realmente é incrível a quantidade de sons e efeitos diferentes no jogo, é muito imersivo.

Michael – Muito obrigad0!

Aaron – E o Michael construiu um mapa incrivelmente dinâmico, onde é possível ouvir um som diferente reverberando no ambiente a medida que os pés do personagem batem no chão em velocidades distintas.

JaC – Isso é incrível e acaba deixando tudo mais tenso e real, é assustador!

Aaron – Ótimo! Nós ficamos felizes em saber que as pessoas ficaram assustadas durante o jogo.

Michael – Essa foi uma outra coisa com a qual eu me diverti muito trabalhando nesse projeto com o Aaron. Nós balanceamos muito bem esta parte do design sensorial.

Michael – Nós até brincávamos durante o desenvolvimento do BlindSide que, enquanto eu tentava tornar o game o mais amigável possível para o jogador, o Aaron tentava deixar o jogo o mais difícil e tenso possível.

JaC – E sobre a pós-produção e distribuição, quais foram as maiores dificuldades?

Michael – Construir algo para iOS quando você pensou inicialmente para PC e Mac, foi um desafio otimizar o som para ambas as plataformas. Nós tivemos que enfrentar problemas alguns dias, mas, em compensação, a parte da distribuição foi tranquila, utilizamos a loja de aplicativos do iOS, a AppStore, para distribuir em dispositivos móveis e a Desura, para PC e Mac, sem usar cópias físcias do jogo.

JaC – Na opinião de vocês, qual a melhor plataforma para desenvolver games como este?

Michael – Eu acho que as plataformas mobile iOS e Android são provavelmente as melhores. Uma vez que o forte do nosso jogo é o sistema de controle físico, eu sinto que esta seja a plataforma mais fácil de se implementar e inovar, além disso, os dispositivos móveis são plataformas amplamente disseminadas, convenientes e ainda permitem ao jogador uma liberdade de movimentos durante a sua experiência de jogo. Apesar de nós termos feito as versões para desktops com a ajuda do KickStarter para arrecadar fundos e incrementar o jogo. Nós achamos que definitivamente a versão para iOS é a que proporciona a melhor experiência com o BlindSide, mas, nós tentamos ao máximo fazer com que o game para desktops oferecesse o máximo possível desta boa experiência de jogabilidade também.

JaC – Vocês têm alguma informação a respeito da quantidade média de compradores ou quantos deles são deficientes visuais? Vocês estão planejando criar mais jogos para deficientes visuais?

Michael – Infelizmente nós não temos números atualizados sobre estes tipos de dados, somente os números básicos de vendas oferecidos pelas lojas, mas, nós temos recebido uma resposta muito positiva da comunidade deficiente visual, por isso sabemos que um bom número de deficientes está jogando e se divertindo com o BlindSide. Até o momento, não estamos muito certos do que faremos a respeito de novos jogos, contudo, Aaron e eu já estamos trabalhando em projetos novos para o futuro, mas nada que possamos divulgar agora.

Embora este tipo de jogo seja ideal para cegos e pessoas com baixa visão, eles também são ótimas alternativas para quem não é deficiente, pois, oferecem um nível de desafio diferente do tradicional, perfeito para aqueles que já estão cansados da rotina dos games tradicionais.

Se você nunca jogou um audio game agora é a hora, clique aqui e conheça todos os jogos sobre os quais nós já falamos aqui no blog e que foram citados nesse post. Coloque seu fone de ouvido, experimente, divirta-se e depois conte para nós o que você achou!